Friday, February 25, 2011

A floresta assombrada do Radiohead



The King of Limbs: uma (peculiar) análise.

O nome do álbum novo do Radiohead, The King of Limbs refere-se a uma árvore de carvalho que fica na Wiltshire’s Savernake Forest, floresta próxima de onde a banda se reúne para compor e gravar suas músicas. A tal árvore tem um significado místico, possui aproximadamente mil anos(!) e aparece no 23º capítulo do Alcorão. Um artefato místico e enigmático situado numa floresta obscura: absolutamente nada poderia traduzir melhor a nova obra do Radiohead - a foto de promoção do álbum está aí para provar. De fato, é o nome ideal para o disco lançado semana passada.

Em sua nova fábula musical, o que aparenta é que o eu-lírico do Thom Yorke é indefinido. O inglês que cumpre o papel guru existencial de milhões já encarnou alienígenas, robôs, humanos e demasiadamente humanos. Em The King of Limbs, Yorke chega a ser o porta-voz de uma flor desabrochando, a citar como exemplo. Ou de um andarilho perdido num sonho dentro dessa floresta obscura. Como eu disse, é indefinido. Se não fosse, não seria Radiohead. Mas o que importa aqui não é esse eu-lírico, e sim a atmosfera.

Fato é que a continuação do brilhante In Rainbows(2007) possui menos músicas e é um trabalho mais minimalista exatamente por seguir sua própria lógica: Uma jornada descritiva de lagos de águas límpidas, flores desabrochando, árvores mágicas e seus frutos, libélulas e passáros gigantes e animais ferozes.

O disco começa com o "Florescer"(Bloom), canção à Kid A, com uma bateria bem desafiadora. Morning Mr. Magpie faz referência a um pássaro comum na Inglaterra que é objeto de uma surpestição antiga dos ingleses, que ao virem o passarinho, educadamente o cumprimentam "Good Morning Mr. Magpie, How are you, Sir?". Little By Little, terceira faixa, é talvez a que mais se encaixe no estilo In Rainbows, a não ser pela percussão excêntrica característica dos trabalhos de Jonny Greenwood, multinstrumentalista da banda. Feral é a música instrumental que sugere os barulhos de algum animal feroz, obviamente. Lotus Flower, que dá o clipe da banda, com o Yorke dançando desengonçadamente, do jeito que os fãs gostam de ver nos shows, é exatamente a convergência dos trabalhos anteriores do Radiohead com a característica marcante desse novo trabalho; "There's an empty space inside my heart, where the weeds take root" é um exemplo.


"Slowly we unfold ,as lotus flowers" (Lentamente nós desabrocharemos, como flores de lótus), é o toque preciso de bucolismo presente em The King of Limbs. A jornada segue com Codex, uma descrição de um lago de águas límpidas, sem nenhum ser-humano por perto, só libélulas às margens das águas. Essa é a música do disco que mais me deixou intrigado, por sua semelhança temática quase que idêntica a Pyramid Song, do Amnesiac(2001). Em ambas as músicas estão lá a alusão ao suicídio, o mergulho para a morte(?) nas águas de um rio/lago, com Thom Yorke cantando magicamente ao seu piano ecoante. Só faltou a bateria de Phil Selway para deixar a música a mesma. Codex é quase que uma volta a Pyramid Song, nem mesmo uma continuação. A diferença é que agora em vez de Yorke repetir que não há nada a temer ou duvidar, em Codex "você não está fazendo nada de errado". Minha análise pode estar errada, e a alusão ao suicídio pode não existir, mas fato é que a faixa que se segue a Codex é Give Up The Ghost, que é uma gíria que pode ser traduzida para algo semelhante a "Passar dessa para uma melhor", ou qualquer coisa que se refira a morrer. Música mais obscura do álbum, com sussurros de um fantasma ao fundo da canção repetindo "don't hurt me, don't haunt me", e o violão que, em vez do outrora piano, agora este que ecoa. Que floresta assombrada essa que o Radiohead encontrou. Primeira obra de arte que encontro um boculismo mórbido, obscuro. Sim, pois geralmente a arte bucólica está cheia de vida, verde e às vezes sorrisos. Geralmente. Mas beleza também não falta em The King of Limbs, como em qualquer paisagem natural.

Justamente quando a caminhada pela floresta assombrada chega ao fim com a ida do andarilho "dessa para uma melhor", vem o despertar. É isso que diz a última faixa, Separator. Indicando que tivesse sido apenas um sonho.

"It’s like i’m falling out of bed
From a long, weary dream
The sweetest flowers and fruits hang from trees
Falling off the giant bird that’s been carrying me
"

(É como se eu estivesse caindo da cama
Depois de um sonho longo e fatigante
As mais doces frutas e flores nas árvores
Caindo do pássaro gigante que me carregava).

Ao fim da música, Yorke repete "Se você pensa que isso acabou, você está enganado", sugerindo que vem mais coisa por aí? Espero que sim, pois por mais que satisfaça, oito músicas do Radiohead depois de quase quatro anos de espera é pouco. Julgando pelo nome da música, é de se crer que seja apenas um divisor(um SEPARADOR) de coisas novas que venham por aí.

No geral, a impressão que me deixou é que, ao contrário de In Rainbows, quando o Radiohead atingiu seu auge de popularidade nos Estados Unidos e Europa(a apresentação nos Grammy's de 2009 abrindo o evento não deixa dúvidas disso), The King of Limbs não conseguirá um novo público para a banda. E é óbvio que a intenção deles passava longe dessa. É um trabalho mais minimalista, que remete ao experimentalismo do Kid A, e que, de certa forma, potencializa as características da banda que faz com que quem os odiasse, passe a odiar ainda mais, pois o álbum é, no geral, lento, com aquilo que muitos chamam de "experimentalismo desnecessário", "barulhinhos bobos". Mas isso tudo já caiu nas graças do enorme público do Radiohead. Eles poderiam muito bem produzir algo que ultrapassasse a barreira de vendas de U2 e Coldplay, se assim desejassem. O Radiohead se reinventa a cada disco, e como eu disse no início da análise, Thom Yorke está sempre a encarnar personagens exóticos, místicos e estranhos. Não importa se é um robô, um ET, uma flor ou uma fera, parece que eles nunca erram.