Tuesday, March 24, 2009

Uma semana em arco-íris.


Foi uma epopéia. Minha saga para ver o Radiohead pela primeira vez no Brasil, depois de quinze anos desde o primeiro single da banda, começou há cerca de seis meses. Juntando dinheiro e acumulando esperanças de uma remota chance de ir. Mas era o que devia ter feito, pois esta é a minha banda favorita desde... não lembro o momento inicial. Talvez quando eu ouvi "Creep" pela primeira vez na minha pré-adolescência. Música esta que virou o hino de todos os jovens introvertidos e de fraco desempenho em relacionamentos. Alguns anos depois, a banda viria a entrar para a história do Rock, lançando cds que misturam guitarras psicodélicas, sintetizadores eletrônicos e letras poéticas e melancólicas. O visionarismo do líder da banda, Thom Yorke, criando uma atmosfera densa e messiância, profetizando um futuro caótico, fez do Radiohead uma das bandas mais cultuadas na história do Rock, algo que muitos desinformados e preguiçosos preferem classificar como música "depressiva". Mas toda essa história é bem conhecida por quem aprecia o Rock, ou a música de qualidade.

1 - A cidade de São Paulo

Cheguei a São Paulo dois dias antes do show. E a minha intenção era conhecer bastante a cidade. A minha impressão primária foi de que era a cidade ideal para o Radiohead tocar, pois combina perfeitamente com alguns dos principais temas abordados pela banda: Paranóia, Existencialismo Urbano, Poluição, e as típicas Pessoas-Formiga. A cidade cinzenta era realmente o ambiente ideal para ouvir Radiohead. Foi a minha primeira vez em São Paulo, e resumindo tudo que senti lá, parece que toda a grandiosidade da cidade e a efervescência cultural da noite paulistana criam um clima que acolhe todos os visitantes. Realmente, deu vontade de voltar mais vezes.

2 - Just a Fest

Depois de um longo engarrafamento e muito andar, chegamos ao local do show, a Chácara do Jóquei. Parecia ser inspirado em festivais ingleses, por causa do bucolismo e da aparente tranquilidade(pessoas deitadas na grama aguardando pelo início dos shows, e etc). Apesar da qualidade da música apresentada, a organização do festival falhou em vários aspectos, o que não vale a pena ser comentado aqui.

E como tinha gente lá... Pouco mais de 30 mil pessoas. E nem todas estavam lá para ver o Radiohead. Quando começou a primeira banda, a cultuadíssima Los Hermanos, parecia que eu era o único, ao menos perto do palco, que tinha ido alí com o propósito principal de ver a banda inglesa. Muitos fãs cantaram e berraram com a volta do Los Hermanos(mesmo que somente para o festival). O show foi emocionante e bonito, e de fato, será uma perda enorme ao rock e à música brasileira de eles acabarem de vez. O setlist foi muito bem armado e eles não fizeram apenas o papel de abrir para as bandas estrangeiras. Muita gente lá já achava ter valido à pena o festival só por causa deles.

Logo após começou a banda alemã Kraftwerk, muito importante para a história da música. Foram os pioneiros da música eletrônica. Acho que, apesar do ótimo show e do público ter gostado bastante do show; diferentemente do Los Hermanos, teve muito cara de "aquecimento para o Radiohead", já que perto do palco, quem estava lá era gente já guardando o lugar para ver a banda principal. Mesmo assim, foi um show inovador e cheio de luzes, muito bonito visualmente e que impressionou quem estava lá. O repertório deles é de qualidade ótima, mas confesso que eu já estava ansioso demais para prestar atenção nos detalhes. Acaba o show do Kratwerk, começam a armar o palco do Radiohead, com o jogo de luzes formando as cores do arco-íris...



3 - Radiohead

Foram anos de espera, e todos lá estavam demonstrando uma cara que correspondia ao tempo inteiro em que a banda não estivera no país.

Entra a banda. Entram no palco os meus ídolos...

E então começam a tocar 15 Step. Não dava para ouvir o Thom Yorke cantar, pois todos estavam grtando. E logo na segunda música, There There, uma das minhas favoritas; a euforia que me toma conta, o calor, a sede e o aperto me fazem passar um pouco mal, mas logo logo "volto à consciência". O momento em que eu passei a me sentir melhor foi quando o show, de fato, começou, na terceira música - Tha National Anthem. A letra da canção parece versar exatamente sobre um espetáculo lotado de pessoas espremidas, e foi exatamente quando a iluminação do show teve início: inúmeros postes de LED dando um visual psicodélico e futurista, casando muito bem visual e som. Com as palavras "Everyone around here, everyone is so near, it's holding on"; de The National Anthem, música do Kid A; Thom Yorke começa a apresentação apoteótica que mais parecia um soco na mente de todos que estavam vendo.

As músicas que se seguiram foram um misto do In Rainbows, cd mais recente da banda, que foi apresentado na íntegra, e clássicos da banda.

Ali você via músicos que realmente se entregavam à arte. Não dava para definir que tipo de show estávamos vendo... O Radiohead apresentou tudo que fez em sua carreira de sete albuns: a música eletrônica e sintetizadores, rock e guitarras altas, folk com apenas voz e violão. Inovadorismo pouco é bobagem. O multi-instrumentalista e maestro da banda Jonny Greenwood variava de seus solos maestrais de guitarra para controllers e synthesizers na hora das músicas eletrônicas, batucou a percussão em There There, tocou os xylophones em All I Need, foi para o piano em Karma Police, e em canções como Climbing Up The Walls e National Anthem e a bela Pyramid Song executou o Ondes Martenot, um instrumento que produz um som ondulante com válvulas termiónicas de frequência oscilatória. Não se vê tamanha criatividade musical assim em qualquer outra banda ou artista do mundo pop. Por mais arrogante que esta afirmação possa parecer, isto é fato, não opinião.
(Greenwood que, além de ser um dos músicos mais talentosos do rock, também se aventura pela música erudita e até já compôs a trilha sonora de filmes, como Sangue Negre, excelente filme hollywoodiano e multipremiado - inclusive com estatuetas do Oscar pela Academia).

Evito o sensacionalismo quando falo de arte. Mas não precisa entender muito de música para compreender que estávamos diante de gênios.

Agora comentando os momentos mais emocionantes do show...
No sarcarsmo anti-belicista de "You and Whose Army?", que foi dedicada aos "yankees" aconteceu o momento mais bem-humorado do show; durante a canção vimos o Yorke pôr o rosto de frente para a câmera, fazer careta, encarar a platéia e rir de si mesmo enquanto cantava chamando o ex-presidente George W. Bush para a briga "venha cá, você pensa que me deixa furioso? venha, você e que exército mais?" .
Vale lembrar dos momentos em que a banda apresentou dois de seus principais clássicos: Karma Police e Paranoid Android. Principalmente após Paranoid Android, em que o público, todos os 30 mil, passou a cantar em côro uma das passagens da música que acabara de ter sido executada: "Rain down, rain down; come on rain down on me. From a great high, from a great high...", então Thom Yorke pega o violão, passa a fazer o backing vocal e acompanhar a música junto ao público. Foi muito emocionante, ver a interação da multidão com a banda. Logo após este momento, todos da banda aplaudiram de pé o público. Merecidamente. Eram pessoas fanáticas pelo Radiohead, que esperaram anos pelo momento, e como eu, estavam ali, imóveis, fazia horas.

Parecia que estava chegando ao fim, tudo muito bonito e maravilhoso, mas nada fora do script, era como se fosse a grandeza previsível, mas...

Quando estavam apresentando suas últimas músicas, foi aí que o show de São Paulo se diferenciou dos shows anteriores da turnê na América Latina. Foram 3 bis. E neles, tocaram as duas músicas que são as mais famosas deles(eles nunca tocam as duas, mesmo na América Latina. Na Europa, nenhuma); Fake Plastic Trees e Creep.
Nesses momentos foi uma tarefa muito difícil não chorar. Muito mesmo. Principalmente porque, numa das voltas da banda ao palco, foi apresentada uma das canções mais bonitas feitas recentemente: Videotape. Thom Yorke ao piano fazendo o pessoal tremer os lábios e as primeiras lágrimas aparecendo.
Quando comecei a ouvir Fake Plastic Trees, eu sabia que dali não passava, eu ia desabar. E não só eu. Ao fim da música, com as palavras "If I Could be... who you wanted, all the time", não tenho vergonha de admitir que chorei como uma menininha.

Ao acabar "Everything In It's Right Place"(adequadíssima para o fim do show), começaram a desarmar o palco. E após dois bis, ninguém mais os esperava de volta. E ninguém mais esperava o maior clássico da banda: Creep. Que já tinha sido apresentada no Rio de Janeiro. Mas então eles aparecem, e agradecem tudo que os fãs demonstraram na turnê brasileira. Então Yorke fala "vamos ver se vocês adivinham qual é essa". Ver o Jonny Greenwood surrar a guitarra nos pré-refrões, com as luzes do palco acompanhando a música, foi incrivelmente intenso. Eu via ali, ao vivo, depois de muito cansaço e horas de desgaste físico, a música da minha adolescência. Eu estava acabado, e demasiadamente feliz. Depois daquilo, eu podia adequar à minha situação emocional as palavras que aparecem em Videotape:

"No matter what happens now
I shouldn't be afraid

Because i know today has been

The most perfect day i've ever seen"


("Não importa o que aconteça agora,
Eu não devo ter medo,
Porque eu sei que hoje foi
O dia mais perfeito que já vi")

Então o show acaba. E eu com a certeza que foram as horas mais intensas da minha vida. Espero poder vê-los um dia novamente. Ou vários dias.
Mas é claro que não foi tudo perfeito. Houve algo ruim, claro. É que depois do show do Radiohead, dificilmente algo vai superar aquele momento, e eu não tenho mais vontade de ver nenhum outro show ou espetáculo de entretenimento. Nem tenho vontade. Haha, só o próprio Radiohead pode se superar.



Obs: Thom Yorke, Jonny Greenwood, Colin Greenwood, Phil Selway e Ed O'Brien proporcionaram o melhor dia da minha vida, claro. Mas não teria acontecido sem as pessoas que, junto delas, passei a melhor semana de todas, que NUNCA vai ser superada, certeza. Meu pai Jair e meu irmão Ciro.