Thursday, April 29, 2010

Um belo acidente


"O acaso é o maior romancista do mundo; para se encantar, basta estudá-lo." (Honoré de Balzac)






“Olha lá pra ela. Tão linda! Sabe, eu acho que é por causa de algo assim que talvez Deus exista”. Ela me disse isso, enquanto eu ainda ajeitava minha posição pra deitar no jardim sem que doesse tanto no meu cóccix.

A Lua? Você acha que Deus existe por causa da Lua? Se fosse para acreditar em Deus, eu escolheria algumas outras coisas mais legais para comprovar que Ele existe, sei lá... algo tipo o fenômeno inexplicável da vida na Terra; as ações movidas por sentimento de bondade e carinho; Scarlett Johansson. Respondi isso, com cinismo e rindo. “Não, se Ele existir... acho que é por causa da Lua”. Tá. Por quê?


- Pensa bem. Deus criou um monte de coisas bonitas e legais que a gente fica admirando que nem babaca, tipo os rituais de acasalamento das baleias. Beleza, é fantástico, mas... a coisa mais bonita, glamurosa, brilhante e que chama atenção Ele pôs lá em cima, sobre todos nós, para ser objeto de adoração. E ela não é adorável? Principalmente hoje, que é lua cheia. Fica brilhando sozinha, sem mais nada por perto, e a gente fica admirando que nem babaca ao quadrado. Tipo... o sol, o sol não é adorável. Quando ele não aparece, todo mundo reclama do frio; quando ele aparece, reclamam do calor. Por mais que ele seja vital à nossa existência e vida na Terra, não é adorável. Porra, nem dá pra olhar diretamente para ele que os olhos começam a arder. Mas todos nós adoramos a lua. Ou pelo menos aqueles que param para deitar sobre o jardim, olham para o céu e ficam falando da vida, que nem nós.


- Caralho. Você daria um ótimo padre. Sério. Quase deixo de ser ateu agora.


- Há! Você mesmo reconhece que eu sempre venço nossas discussões.


- É, eu tenho complexo de inferioridade em relação a você... mas... sabe o que eu acho mesmo bonito da lua? De verdade?


- Só não diz São Jorge matando o Dragão.


- Não. The Dark Side of The Moon.


- Pink Floyd? Você acha a lua bonita por causa do Pink Floyd? Bom... sendo assim, prefiro dizer que ela é bonita por causa do The Wall, que é o melhor cd deles, de longe.


- Não, tapada. Pra início de conversa você só prefere o The Wall porque tem um filme explicando a obra, e o The Dark Side of The Moon é complexo demais para você. Mas o que eu quis dizer é que, ok, a lua é bonita, e todos nós achamos isso. Só que desvendar por meio de observações e da imaginação como é o lado escuro da lua, aquele que a gente não vê é algo realmente fantástico. É o nosso instinto humano que não aceita as informações simplesmente como nos são dadas e faz com que busquemos as respostas fundamentais para tudo. Em vez de admirar a beleza do lado lunar que todo mundo conhece, prefiro imaginar ou desvendar como é o lado que a gente não consegue enxergar a olho nu. É bonito porque é uma metáfora. Afinal, você nunca se perguntou o sentido da vida, da sua existência e tudo o mais?


- Quarenta e dois, ela disse, imitando o meu cinismo.


Eu ri. E senti uma breve intensa sensação de felicidade por ter uma namorada que conhecesse as bobagens maravilhosas da mitologia nerd tanto quanto eu. “Você não é tão inteligente para desvendar essas coisas sozinho”, ela me disse. Eu não preciso, em 1959 uma sonda espacial soviética tirou uma foto do lado negro da lua, retruquei. “Não é isso... você é um ser-humano, existem coisas além da sua compreensão no universo. Seu cérebro é limitado demais para pensar em uns lances loucos que dêem razão à nossa existência. Limite-se a focar seu cérebro já debilitado para a próxima prova da faculdade, é mais sensato”. Adoro o jeito como ela me faz sentir especial.


- Mas eu não posso evitar, é instinto meu. O darwinismo e o evolucionismo explicam. De acordo com a idéia da seleção natural, em qualquer população de organismos que se auto-reproduzem, haverá variações no material genético de cada indivíduo e na vivência deles. Estas diferenças fazem com que alguns indivíduos sejam mais aptos que outros a tirar conclusões corretas sobre o mundo ao seu redor e agir de acordo com isso. E esse padrão de comportamento e raciocínio é o que vai imperar na geração posterior. De qualquer forma, talvez eu seja pré-determinado biologicamente e fenotipicamente a estabelecer os padrões de pensamento e comportamento dos nossos descendentes.


- Sei.


- Pode falar “sei”, mas a humanidade precisa de pessoas como eu, isso é um fato. No mínimo nossos descendentes.


- Vem cá, você já ta falando em ter filhos? Você não tem nem emprego nem...


- Não to falando disso, garota chata. To falando de pensar além. Além do simples, do que é somente nos mostrado e dito. É aquela sensação de se perguntar aonde estamos indo, de onde viemos. Ou simplesmente de quando você sai pra alguma festa chata e se quetiona “qual o motivo de eu ter vindo aqui?”. Você tem que ter esses pensamentos... mesmo que não chegue a resposta alguma.


- Pensar demais como você faz não adianta de nada. Muito provavelmente não estamos indo a lugar nenhum e nem viemos de lugar algum. E eu não acho que a evolução da humanidade esteja baseada em perguntas que nem respostas têm. Você não precisa carregar um peso enorme nas costas só por carregar.


- Todos nós temos que estar chegando em algum lugar. Quando comecei a jogar Super Mario Bros, eu tinha que estar passando as fases, uma por uma, até zerar. Quando eu comecei a torcer pela seleção brasileira, ela tinha que ganhar todos os jogos das eliminatórias, se classificar para a Copa do Mundo, passar da primeira fase, ganhar o mata-mata, chegar à final e vencer. Todos nós temos que estar chegando a algum lugar.


- Mas e se nós nunca saímos de lugar algum, temos que estar necessariamente chegando em um outro? Você nem sabe de onde veio. Você nem sabe o estágio inicial da porra toda. É o Princípio da Incerteza de Heisenberg, meu querido. Por causa dele, nós não podemos chegar à nenhuma decisão concreta, já que não é conhecido consistentemente o estágio início do universo. Até os físicos já admitiram. Até porque eu li isso no livro do Stephen Hawking. O Princípio da Incerteza impede a Física de ter uma teoria unificada sobre o universo, fica sempre nas brigas entre as teorias da mecânica quântica e da teoria da relatividade geral de Einstein.


Fiquei calado. E ela começou a cantarolar Across The Universe, dos Beatles. "Thoughts meander like a restless wind inside a letter box. They tumble blindly as they make their way across the universe". Pensamentos se movem como um vento incansável dentro de uma caixa de correio. Eles tropeçam cegamente enquanto fazem seu caminho pelo universo.



- Quando eu disse “quarenta e dois” não era brincando. Vai ver o Douglas Adams estava certo mesmo. Se alguém souber o motivo pelo qual estamos aqui e os porquês da nossa existência, o universo explode e um novo é reconstruído. Um novo universo cheio de dúvidas e incertezas para ocupar a mente dos que vivem nele.


- É, 42 é a resposta para tudo mesmo então. É confuso.


- É confuso porque é uma resposta para qual não sabemos nem a pergunta. Não acho, como você disse, que o fascinante são as perguntas que não possuem respostas, e sim as respostas para as quais nem perguntas existem. Você não precisa saber de tudo. Você não precisa ser o indivíduo que vai geral o padrão de pensamento da próxima geração. Você precisa simplesmente ser. E ponto final. Não pense tanto...


- Então é isso que somos. Respostas confusas para perguntas que nem sequer existem.


- Mutilou a mosca. Acidentes. É isso que somos.



Fiquei calado pensando naquilo e me sentindo plenamente impotente. A única coisa na minha vida que tinha sentido, que eu achava que tinha nascido para fazer, agora não fazia mais sentido nenhum: pensar ilimitadamente. Achar respostas.

E o silenciou imperou naquele jardim por uns 28 minutos, até que ela disse “Aaaah, agora entendi aquela música do Radiohead que você me mostrou uns tempos atrás. Sempre ficava pensando numa citação que tem nela”. Que música? “There There”. O que tem “There There”?


- No fim da música, o cara fica repetindo várias vezes “We are accidents waiting to happen”. Nós somos acidentes esperando para acontecer. É isto.


- É faz sentido. Já que pelo visto todos nós e todo o resto das coisas são só frutos do acaso. Mera aleatoriedade.


“Que lindo”, ela me disse rindo. Com a aparência de quem estava se divertindo como uma criança desenhando com lápis-de-cor pela primeira vez na vida. Eu acho que nunca a amei tanto quanto hoje.


- Sabe, culpar o acaso por tudo, dar à aleatoriedade o sentido absoluto das coisas, tudo isso... não tornam nosso relacionamento mais romântico, sabe? Tira toda a parte pré-destinada da coisa. Aqueles lances que todas as garotas gostam. De que nosso relacionamento seria obra do destino. Que estaríamos fadados a viver juntos para sempre. Isso tudo desmoronou. Qualquer golpe de azar oriundo de forças externas desconhecidas e aleatórias pode nos separar agora. Não me sinto alegre com isso, como você.


“Pois deveria! Se fosse pelo destino que estivéssemos juntos, eu namoraria com você por uma simples obrigação metafísica”, ela riu. Não achei graça. Não tem graça, eu falei.


- No meio de tantos acontecimentos simultâneos, num mundo que é obra da incerteza, você, meio que como um milagre, veio a mim e me cativou. Minha vida poderia estar acontecendo de várias outras maneiras, mas ela orbita ao seu redor. De todas as inúmeras formas de algo acontecer, nós acontecemos. Um belo acidente. Deste jeito é muito mais bonito. Não estava escrito nas estrelas, e aconteceu, como tinha de acontecer. E agora que você já me cativou, se tornou eternamente responsável por mim.


É. Eu nunca a amei tanto quanto hoje.



Obras citadas que me ajudaram a divagar, por meio da cultura pop, sobre a existência(só pra provar que não plagiei ninguém, to dizendo logo no que me inspirei):


Uma Nova História do Tempo - Stephen Hawking

O Guia do Mochileiro das Galáxias - Douglas Adams

O Pequeno Príncipe - Antoine de Saint-Exupéry

Pink Floyd - The Dark Side of The Moon; The Wall

Radiohead - There There(do álbum Hail to The Thief)

The Beatles - Across The Universe

Super Mario Bros. É




Jair Filho.

Saturday, April 03, 2010

A voz que clama no deserto.


Bem, esta é a semana santa. Mesmo eu sendo ateu, há duas passagens na bíblia que eu gostaria de compartilhar, pois acho que entra em convergência com a idéia deste blog. Isso tudo porque, claro, é MUITO legal brincar de messias. Acho que terei uma vida curta mais minhas palavras não.

“Eu sou a Voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor; endireitai as suas veredas. Todo o vale se encherá e se abaixará todo o monte e o outeiro; e os caminhos escabrosos se aplanarão; e toda a carne verá a salvação de Deus.” Lucas 3:4 , “Assim será a palavra que sair da minha boca: ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz e prosperá naquilo para que a enviei. Porque com alegria saireis, e em paz sereis guiados; os montes e os outeiros exclamarão de prazer perante a vossa face, e todas a árvores do campo baterão palmas. Em lugar do espinheiro crescerá a faia, e em lugar da sarça crescerá a murta: o que será para o Senhor por nome, por sinal eterno, que nunca se apagará.” Isaías 55:10-13

Não estou dizendo diretamente que sou a voz que clama no deserto e que minhas palavras hoje desvalorizadas guiarão os indivíduos num futuro próximo neste mundo em chamas, são só passagens que estimulam qualquer um a continuar escrevendo. Pois o homem que mais influenciou no pensamento de nossa civilização já se viu professar palavras que ninguém ouvia(mesmo estas palavras tendo sido corrompidas pelo homem e usadas com violência como método e alienação como objetivo).

Soa pretensioso? Não soa. É PRETENSIOSO.

Ah, e quem adivinhar do que se trata a mensagem escondida por trás do novo visual do blog ganha um parabéns.